Após mortes em série, movimento negro protesta contra violência
Atos ocorrem em cidades de todas as regiões do país
No rastro de uma série de operações policiais que resultaram em dezenas de mortes ao longo das últimas semanas, com destaque para o caso do Guarujá (SP) [https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-08/mais-duas-pessoas-sao-mortas-por-policiais-no-guaruja-sao-18-no-total] e também episódios na Bahia e no Rio de Janeiro [https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-08/policia-afasta-envolvidos-em-morte-de-menino-na-cidade-de-deus], entidades do movimento negro realizam atos unificados em todo o país nesta quinta-feira (24). A data também marca os 141 anos da morte do advogado e abolicionista Luiz Gama, referência na luta por igualdade racial no Brasil.
"Esta marcha é em memória de todas as vítimas das cachinas policiais, lembrar as vítimas de uma política genocida e uma necropolítica que acontece todos os dias com os corpos negros", afirma a ativista Dani Sanchez, integrante da Coalizão Negra por Direitos e do movimento Pelas Vidas Negras no Distrito Federal.
Em Brasília, o ato reuniu algumas dezenas de pessoas, que caminharam do Museu Nacional da República pela Esplanada dos Ministérios até a Praça dos Três Poderes, fechando duas faixas da pisa. Atos foram convocados em mais de 30 cidades em ao menos 25 estados.
Uma das homenageadas é a Yalorixá Maria Bernadete Pacífico, conhecida como Mãe Bernadete. Líder do Quilombo Pitanga de Palmares, localizado no município de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, ela foi brutalmente assassinada na noite da última quinta-feira (17) [https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-08/lider-quilombola-de-pitanga-dos-palmares-e-executada-na-bahia], dentro de casa e diante dos netos.
Mãe Bernadete era integrante da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e ex-secretária de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho. O caso está em investigação [https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-08/crime-de-mando-diz-filho-de-bernadete-lider-quilombola-assassinada] e pode ter relação com a disputa pelo território quilombola até hoje não regularizado onde vivia a ativista.
No Distrito Federal, as entidades também homenagearam o adolescente Gustavo Henrique Soares Gomes, morto a tiros em janeiro do ano passado, aos 17 anos, na cidade de Samambaia, periferia da capital federal, após não obedecer ordem de parada em uma blitz policial.
População que mais morre
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) sobre o índice de mortes violentas intencionais mostram que a população negra é o alvo principal. Em 2022, houve 47.508 casos e 76,5% das vítimas eram negras, segundo a última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Em termos de violência policial, os dados não são menos eloquentes, envolvendo um número impressionante de vítimas crianças e adolescentes. Estatísticas também compiladas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, entre 2017 e 2019, por exemplo, as forças de segurança mataram 2.215 crianças e adolescentes negros de até 19 anos de idade em todo o país.
É o caso de Thiago Menezes Flausino, de 13 anos de idade, morto a tiros em uma operação na Cidade de Deus, no estado do Rio, no início de agosto. Em julho, Gabriel Silva da Conceição Júnior, uma criança negra de apenas 10 anos de idade, também foi morta em uma operação policial em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador.
Um outro levantamento - divulgado no ano passado pela Rede de Observatórios da Segurança (ROS) - mostrou que a polícia mata uma pessoa negra a cada quatro horas em ao menos seis estados: Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Medidas urgentes
Agora, o movimento negro pretende engrossar o coro para que o Congresso Nacional avance na aprovação de uma lei federal que obrigue o uso de câmeras em uniformes de agentes da polícia em todo o país. Em batalhões da Polícia Militar de São Paulo que adotaram o sistema, segundo dados oficiais, os números de mortes em confronto com a polícia chegaram a cair 76%.
As entidades também cobram a federalização de casos em que incursões policiais em comunidades resultem em massacres, chacinas ou mortes em série.
Outra reivindicação já histórica é uma mudança na política de drogas, baseada na redução de danos e na descriminalização do uso individual. No ano passado, o Brasil atingiu proporção recorde de negros no sistema carcerário: 442.033 pessoas.
A parcela equivale a 68,2%. Na maior parte dos casos, são jovens presos portando pequena quantidade de substâncias ilegais. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar essa semana o julgamento sobre descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal [https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-08/stf-retoma-julgamento-da-descriminalizacao-de-drogas-para-uso-pessoal].
Para Dani Sanchez, a população negra do país, apesar de ser maioria, é historicamente desprovida de acesso a políticas públicas de inclusão, o que também contribui para a perpetuação desse ciclo de violência da qual ela segue sendo a maior vítima. "A ausência de políticas públicas também gera a morte social dessas pessoas, colocadas em subempregos, em situações de extrema vulnerabilidade e empurradas para as violências, para o crime organizado", finaliza.